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Uma abordagem às culturas populares e às bordadeiras de Arraiolos

A visita a Arraiolos foi muito agradável e enriquecedora. Arraiolos é uma vila portuguesa situada no Distrito de Évora, com cerca de 3,500 habitantes, conhecida pelos seus tapetes e pelo seu castelo, que é circular.

Tapete do Centro Interpretativo Tapete de Arraiolos

Os tapetes são bordados à mão por gerações e gerações de bordadeiras. No Centro Interpretativo "Tapete de Arraiolos" tivemos a sorte de conversar um pouco com dois bordadeiras que trabalham no Centro, e também de ver como elas fazem os tapetes. Sendo tão culturalmente enraizados, são um exemplo de como trabalho, música, ritmo, criatividade, história... se entrelaçam.

De acordo com Joana Isabel Bajuca Nunes (2019, p.15) no seu relatório de estágio de mestrado:

"Segundo Lobo (2016), existem várias teorias sobre a origem dos tapetes de Arraiolos, uma das quais da autoria de Sousa Viterbo, que defende que estes podem ter origens mouriscas. Esta tese foi completada posteriormente por Maria José Mendonça, que referea possibilidade de a origem ser derivada dos tapeteiros muçulmanos de Lisboa que,após o êxodo ordenado por D. Manuel em 1496, migraram para sul e transmitiram a tradição de fabrico de tapetes aos arraiolenses, que posteriormente os adaptaram aos materiais e técnicas existentes no local, tomando em conta Arraiolos ser uma região pecuária com uma elevada predominância de atividade têxtil".



No museu há um vídeo, que não encontrei na internet, em que uma bordadeira conta como passa por todo o processo de criação de tapetes, blusas e outras criações de costura. A bordadeira iniciou o processo quando o pastor trouxe sua lã, que ela teve que lavar no rio com muita energia e muito trabalho, batendo e lavando-a várias vezes. Mais tarde, ela a levou em uma cesta para a cidade em um burro e com a ajuda do pastor (encharcada, a lã pesava muito). Filou-a pouco a pouco, para obter fios longos que poderiam ser enganchados à máquina de tricotar artesanal, e tingiu os fios de cores diferentes (no vídeo você pode ver algumas dessas máquinas). Na máquina de bordar, trabalhava com as linhas e suportes usando o movimento de suas pernas e pés para mover a máquina e os braços e mãos para cruzar as linhas e pressionando-os fortemente com o apoio que aperta os pontos. Uma vez concluída a tecelagem, o processo de bordado começa.

Como você pode ver, o processo é muito longo e faz parte de um modo de vida e de entender o trabalho como uma parte inseparável da vida. Durante todo o processo, a bordadora canta de maneiras diferentes, ritmos diferentes que acompanham cada trabalho. No final do vídeo, a bordadeira exibe com orgulho suas criações, fruto de seu esforço, criatividade, imaginação, conhecimento popular e perseverança.

Arraiolos desde o castelo
O principal problema de Arraiolos é a turistificação que enfrenta, já que o turismo mata a vida social cotidiana, como aconteceu em muitos lugares. Com a promessa de gerar emprego e riqueza econômica, o turismo expulsa os moradores a abrir alojamentos turísticos, torna as moradias mais caras e gera empregos precários, além de encurralar as pessoas, transformando suas vidas diárias em algo exótico. Em Arraiolos, parece que o turismo está ganhando, devido à atração de seus tapetes, mas será visto, porque seus habitantes têm um histórico de lutas e envolvimento social.

Rua de Arraiolos
Depois de compartilhar esse tempo com algumas pessoas de Arraiolos, nas ruas, nas tasquinhas, e comer migas com carapau e ensopado de borrego, decidimos voltar a Évora caminhando pela ecopista, um percurso que atravessa áreas rurais e montado. Este caminho está em harmonia com o ambiente social e natural e é muito agradável para caminhar.

Foram 24 km andando e chegamos muito tarde a Évora, mas foi um passeio muito gostoso!

Castelo de Arraiolos, um dos únicos castelos circulares do mundo

Praça de Arraiolos

Migas, carapau e vinho ;-)

Referências bibliográficas:

Bajuca Nunes, Joana Isabel (2019). Tapetes de arraiolos: oportunidades e desafios de divulgação. Relatório de estágio de Maestría. Universidade de Évora. http://hdl.handle.net/10174/26701

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