E o que era popular
torna-se fino e erudito,
quando o letrado da cidade
pega em algo de muita idade
há muito tocado mas não escrito.
fng em youtube
O Cante Alentejano – o canto das Modas – é um património e uma expressão genuína da tradição vocal, das memórias do tempo e do quotidiano do amor e do trabalho.
Jorge Mangorrinha (2014) diz que "admite-se que as origens do Cante Alentejano provenham do teatro tradicional e dos cantos de trabalho e de baile, que ao longo do século XX foram perdendo coreografia e instrumentos. Há quem defenda que a génese do Cante Alentejano está na prática coralista gregoriana ou que é um legado cultural da presença árabe em Portugal e do cante mourisco.
Este canto colectivo e polifónico é repetitivo, pausado, monótono, em que alternam um ponto a sós e um coro, havendo um alto preenchendo as pausas e rematando as estrofes; começa invariavelmente com um ponto, dando a deixa e cedendo o lugar ao alto, seguindo-se o coro em que participam também o ponto e o alto. A sua evolução histórica atesta uma estabilidade das suas características melódicas e sotaque, mas cujos temas se foram ampliando: natureza, amor, maternidade, religião, trabalho, política, contemplação e nostalgia".
O Cante Alentejano é um cante popular, prática polifónica desempenhada vulgarmente por grupos de homens, embora existam também grupos femininos e mistos. Dentro do grupo de cantores existe o cantor solo, chamado ponto que inicia sempre os dois primeiros versos. Depois segue-se o alto, que canta uma terceira acima. O restante coro entra no tom do ponto e o alto começa a ornamentar a melodia.
A Associação cultural Confraria do Cante Alentejano (2012) explica que "as canções são chamadas modas, cujas principais características são:
(a) Serem todas em tons maiores;
(b) Terem algumas o soluço eclesiástico, ou pausa para respirar, no meio da palavra;
(c) Terem algumas o acorde de trítono, intervalo dissonante composto de 3 tons".
"Cantado a duas e três vozes, o Cante Alentejano é constituído na sua estrutura arcaica pelo ‘ponto’ o solista, que dá não só a indicação do tema, como enriquece a mediodia com ornamentos, pelo ‘alto’ que se antecipa ao coro e lhe dá o tom levando-o a responder em conjunto, do qual se vem a desdobrar o ‘baixo’. Tudo isto acontece espontaneamente utilizando unicamente o ouvido, o sentido musical e o equilíbrio das vozes no seu conjunto, na procura de uma afinação própria. São um exemplo musical único de vivência estética colectiva, de que não podemos dissociar a viv encia social e solidária dos grupos no seu dia-a-dia de trabalho" (Correia e Roquete, 2011, p. 27).
José Rodrigues dos Santos e Sónia Cabeça (2010, p. 1) expõem que "emerge a consciência do desaparecimento das formas sociais pré-capitalistas, sobretudo rurais (...). A tomada de consciência deste processo identifica as mudanças em dois planos: por um lado, a destruição das formas sociais de organização (na Europa ocidental, a aldeia, as formas familiares ligadas à forma camponesa de organização do espaço e à exploração agrícola familiar), e das formas culturais que essas sociedades tinham produzido e nas quais se vertiam os modos de produção do sentido, sobre a vida pessoal, a colectividade, o presente e o futuro. De modo interessante, as organizações simbólicas que estruturavam as culturas parecem em numerosas sociedades desmoronar-se a um ritmo mais rápido ainda que a organização sócio-técnica 3 (agriculturas, artesanatos, etc.)".
A preocupação de salvaguarda nos leva à folclorização, que nada mais é do que a fossilização de fenômenos culturais que, até então, eram vivos e dinâmicos e adaptados às circunstâncias. É também uma idealização e o isolamento de um elemento, como o canto, do ambiente e do meio em que é criado e compartilhado.
Por esse motivo, Michel Giacometti não entende o cante sem seu próprio contexto, por isso que ele gravou os cantes em seu próprio trabalho ou na vida cotidiana; não entende que se trata de organizar encontros folclóricos, mas é no contexto social e natural que fican vivos.
A transformação da cultura do trabalho levou o cante alentejano a uma encruzilhada entre espetáculo e cante espontâneo (isto último acontece principalmente em tasquinhas e tabernas).
E o que era popular
torna-se fino e erudito,
quando o letrado da cidade
pega em algo de muita idade
há muito tocado mas não escrito.
fng em youtube
https://youtu.be/0aD4PMt2tKs
Aljustrel, terra velinha - Grupo Coral dos Operários Mineiros de Aljustrel
https://youtu.be/3NnTdIW5pMk
Hino dos Mineiros - Novaurora
https://youtu.be/SaRqbQls5Jw
Grupo Coral Alentejano Feminino e Etnográfico "Paz e Unidade" de Alcáçovas
https://youtu.be/4jMwrYNoD0I
ALENTEJO, ALENTEJO a film by Sérgio Tréfaut
https://youtu.be/r8ksK23HbB0
Povo que Canta - A moda da lavoura
https://youtu.be/csP2dV3PWZE
Cante ao menino Vila Verde de Ficalho recolha M Giacometti
https://youtu.be/CjbWk9bpmTo
Cava da manta. Cantos de trabalho - 1972, Tavarede, Figueira da Foz, Coimbra
https://youtu.be/-cShTnRAXwk
Tocadora de Roda. Cantos de trabalho - 1972, Dornelas, Pampilhosa da Serra, Coimbra
https://youtu.be/AEWUkUHIsMw
Maçadela do Linho - S. Pedro do Sul (Viseu) (Cantos e Danças de Portugal)
https://youtu.be/XlVElJA7nwE
Taberna em Cuba - Baixo Alentejo
https://youtu.be/GBhgE3EMQy4
Correia, Conceição & Roquete, Catarina (2011). Sobre os Cantos Corais Alentejanos. Rui Arimateia (Coord.). Oralidades: ao encontro de Giacometti (pp. 21-27). Lisboa: Ed. Colibrí.
Mangorrinha, Jorge (27 de Novembro de 2014). O futuro do Cante Alentejano http://www.tintafresca.net/News/newsdetail.aspx?news=56c4a562-463c-4553-bc24-03d066d1baac&edition=169
https://www.meloteca.com/portfolio-item/cancioneiro-do-alentejo/
Rodrigues dos Santos, José & Cabeça, Sónia (2010). Conservação, salvaguarda, criação e culturas orais: uma aproximação conceptual. Actas da Conferencia Internacional da Tradición Oral: oralidade e patrimonio cultural. Concello de Ourense: Concellaría de Cultura, 169-187. http://hdl.handle.net/10174/2175
torna-se fino e erudito,
quando o letrado da cidade
pega em algo de muita idade
há muito tocado mas não escrito.
fng em youtube
O Cante Alentejano – o canto das Modas – é um património e uma expressão genuína da tradição vocal, das memórias do tempo e do quotidiano do amor e do trabalho.
Cante Alentejano na Adega Velha, Mourao (Fonte: youtube) |
Este canto colectivo e polifónico é repetitivo, pausado, monótono, em que alternam um ponto a sós e um coro, havendo um alto preenchendo as pausas e rematando as estrofes; começa invariavelmente com um ponto, dando a deixa e cedendo o lugar ao alto, seguindo-se o coro em que participam também o ponto e o alto. A sua evolução histórica atesta uma estabilidade das suas características melódicas e sotaque, mas cujos temas se foram ampliando: natureza, amor, maternidade, religião, trabalho, política, contemplação e nostalgia".
Fonte: Wikipédia |
O Cante Alentejano é um cante popular, prática polifónica desempenhada vulgarmente por grupos de homens, embora existam também grupos femininos e mistos. Dentro do grupo de cantores existe o cantor solo, chamado ponto que inicia sempre os dois primeiros versos. Depois segue-se o alto, que canta uma terceira acima. O restante coro entra no tom do ponto e o alto começa a ornamentar a melodia.
A Associação cultural Confraria do Cante Alentejano (2012) explica que "as canções são chamadas modas, cujas principais características são:
(a) Serem todas em tons maiores;
(b) Terem algumas o soluço eclesiástico, ou pausa para respirar, no meio da palavra;
(c) Terem algumas o acorde de trítono, intervalo dissonante composto de 3 tons".
"Cantado a duas e três vozes, o Cante Alentejano é constituído na sua estrutura arcaica pelo ‘ponto’ o solista, que dá não só a indicação do tema, como enriquece a mediodia com ornamentos, pelo ‘alto’ que se antecipa ao coro e lhe dá o tom levando-o a responder em conjunto, do qual se vem a desdobrar o ‘baixo’. Tudo isto acontece espontaneamente utilizando unicamente o ouvido, o sentido musical e o equilíbrio das vozes no seu conjunto, na procura de uma afinação própria. São um exemplo musical único de vivência estética colectiva, de que não podemos dissociar a viv encia social e solidária dos grupos no seu dia-a-dia de trabalho" (Correia e Roquete, 2011, p. 27).
A folclorização do cante
As culturas populares são ameaçadas pelo sistema capitalista, que causa a destruição de formas de vida nas quais o trabalho é complexo e se entrelaça com outros aspectos da vida, sem separá-lo do lazer ou da criatividade.José Rodrigues dos Santos e Sónia Cabeça (2010, p. 1) expõem que "emerge a consciência do desaparecimento das formas sociais pré-capitalistas, sobretudo rurais (...). A tomada de consciência deste processo identifica as mudanças em dois planos: por um lado, a destruição das formas sociais de organização (na Europa ocidental, a aldeia, as formas familiares ligadas à forma camponesa de organização do espaço e à exploração agrícola familiar), e das formas culturais que essas sociedades tinham produzido e nas quais se vertiam os modos de produção do sentido, sobre a vida pessoal, a colectividade, o presente e o futuro. De modo interessante, as organizações simbólicas que estruturavam as culturas parecem em numerosas sociedades desmoronar-se a um ritmo mais rápido ainda que a organização sócio-técnica 3 (agriculturas, artesanatos, etc.)".
A preocupação de salvaguarda nos leva à folclorização, que nada mais é do que a fossilização de fenômenos culturais que, até então, eram vivos e dinâmicos e adaptados às circunstâncias. É também uma idealização e o isolamento de um elemento, como o canto, do ambiente e do meio em que é criado e compartilhado.
Por esse motivo, Michel Giacometti não entende o cante sem seu próprio contexto, por isso que ele gravou os cantes em seu próprio trabalho ou na vida cotidiana; não entende que se trata de organizar encontros folclóricos, mas é no contexto social e natural que fican vivos.
A transformação da cultura do trabalho levou o cante alentejano a uma encruzilhada entre espetáculo e cante espontâneo (isto último acontece principalmente em tasquinhas e tabernas).
E o que era popular
torna-se fino e erudito,
quando o letrado da cidade
pega em algo de muita idade
há muito tocado mas não escrito.
fng em youtube
Música relacionada para ouvir
Camponês alentejano ("Os Ganhões" de Castro Verde) Cancioneiro Social do Cante Alentejanohttps://youtu.be/0aD4PMt2tKs
Aljustrel, terra velinha - Grupo Coral dos Operários Mineiros de Aljustrel
https://youtu.be/3NnTdIW5pMk
Hino dos Mineiros - Novaurora
https://youtu.be/SaRqbQls5Jw
Grupo Coral Alentejano Feminino e Etnográfico "Paz e Unidade" de Alcáçovas
https://youtu.be/4jMwrYNoD0I
ALENTEJO, ALENTEJO a film by Sérgio Tréfaut
https://youtu.be/r8ksK23HbB0
Povo que Canta - A moda da lavoura
https://youtu.be/csP2dV3PWZE
Cante ao menino Vila Verde de Ficalho recolha M Giacometti
https://youtu.be/CjbWk9bpmTo
Cava da manta. Cantos de trabalho - 1972, Tavarede, Figueira da Foz, Coimbra
https://youtu.be/-cShTnRAXwk
Tocadora de Roda. Cantos de trabalho - 1972, Dornelas, Pampilhosa da Serra, Coimbra
https://youtu.be/AEWUkUHIsMw
Maçadela do Linho - S. Pedro do Sul (Viseu) (Cantos e Danças de Portugal)
https://youtu.be/XlVElJA7nwE
Taberna em Cuba - Baixo Alentejo
https://youtu.be/GBhgE3EMQy4
Referências bibliográficas:
Associação cultural Confraria do Cante Alentejano (2012). O que o Cante Alentejano?. https://web.archive.org/web/20121214123307/http://confrariadocantealentejano.com/oqueocante.php#Correia, Conceição & Roquete, Catarina (2011). Sobre os Cantos Corais Alentejanos. Rui Arimateia (Coord.). Oralidades: ao encontro de Giacometti (pp. 21-27). Lisboa: Ed. Colibrí.
Mangorrinha, Jorge (27 de Novembro de 2014). O futuro do Cante Alentejano http://www.tintafresca.net/News/newsdetail.aspx?news=56c4a562-463c-4553-bc24-03d066d1baac&edition=169
https://www.meloteca.com/portfolio-item/cancioneiro-do-alentejo/
Rodrigues dos Santos, José & Cabeça, Sónia (2010). Conservação, salvaguarda, criação e culturas orais: uma aproximação conceptual. Actas da Conferencia Internacional da Tradición Oral: oralidade e patrimonio cultural. Concello de Ourense: Concellaría de Cultura, 169-187. http://hdl.handle.net/10174/2175
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