Avançar para o conteúdo principal

Rumando pelo património de Mértola

Fomos a Mértola para conhecer mais sobre a idéia de núcleos de museus, encontrar com pessoas da Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM) que havia realizado um projeto de pesquisa Rumando pelo Património de Mértola à Descoberta do Passado, e para estar com gente da vila.

É assím que Alice Duarte explica (2012, p. 135):

"O Município de Mértola, situado no interior sul de Portugal, tem uma área de quase 1300 Km2 e uma população de apenas 8500 habitantes, dos quais 1500 residem na Vila de Mértola. Aquando da revolução de 1974, o Município como um todo era a ilustração flagrante de uma tendência continuada de despovoamento, grande empobrecimento das populações e sua completa falta de expectativas.

Em 1978, o novo poder político local [Aliança Povo Unido-APU, coligação formada naquela época pelo Partido Comunista Português e pelo Movimento Democrático Português/Comissão Democrática Eleitoral] assume-se como o promotor de um projeto estratégico que elege o “património” como principal motor de desenvolvimento, vendo-o como capaz de contribuir para a sustentabilidade da população local e para a atração e retenção de visitantes externos (Rafael, 2010).

O Projeto Mértola Vila Museu elege como seu principal recurso o património – arqueológico, arquitetónico, antropológico e paisagístico – arquitetando a constituição de um Museu Municipal polinucleado composto por diversas unidades in situ (...) A liderança do projeto por parte da Câmara foi desde cedo assessorada em termos técnicos e científicos por duas associações privadas de interesse público que surgem inicialmente em exclusivo financiadas pelo poder local: a Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM), criada em 1980, e o Campo Arqueológico de Mértola (CAM), criado em 1986".

"Perdeu a condição de vila pobre, habitada por gente privada das mais elementares condições de vida, para se transformar num importante centro de investigação sobre o mundo mediterrânico, com projecção internacional" (Público, 2014/04/07).

Assim, o desenvolvimento do projeto do museu polinucleado da Câmara Municipal está intimamente ligado ao ADPM. Estes centros de museus estão espalhados pela cidade de Mértola e vários deles podem ser visitados livremente. É um conceito muito interessante e muito bem pensado para esse contexto local específico.

No entanto, parece que o equilíbrio entre economia turística e vida quotidiana é delicado.

De acordo com a investigação de João Miguel Palma (2012), um dos pontos fracos do turismo em Mértola é a não identificação ou o pouco envolvimento  da  população local na maioria das atividades culturais e patrimoniais (crescente alheamento). A pesquisa arqueológica parece ir atrás das costas dos próprios moradores da vila, em uma separação entre a universidade e a gente. O mundo acadêmico está acostumado a trabalhar para o projeto ou, no máximo, para a gente, mas não com a gente, quem percebe que os avanços arqueológicos levam as pessoas a viver do turismo, isto é, a viver de empregos precários que colocam os habitantes em uma posição servil em relação aos turistas que vêm de áreas mais ricas da Europa.


Onde empresários e agentes turísticos vêem uma dinamização turística insuficiente que conduz a um sub-aproveitamento turístico e não aproveitamento das potencialidades naturais (Rio Guadiana e Parque Natural Vale do Guadiana), a gente continua a viver da pesca sustentável de autoconsumo, quem troca por outras coisas que precisa, ou compartilhe com você como uma forma de convivio.


Referências bibliográficas

Do Fazer ao Contar, Memórias das Tradições e Ofícios dos concelhos de Almodôvar, Barrancos e Mértola” (livro e DVD)

Duarte, Alice (2012). Museu e Desenvolvimento Local: O Museu como Instrumento de Internacionalização da Cultura Local. Em Asensio, Ibañez, Caldera, Asenjo & Castro (Eds.), SIAM. Series Iberoamericanas de Museología. Vol. 3 (133-142). https://repositorio.uam.es/bitstream/handle/10486/11507/57110_9.pdf


Palma Serrão Martins, João Miguel (2012). Mértola, cultura e património Atores, ações e perspetivas para uma estratégia de desenvolvimento local.
Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Gestão Cultural Universidade do Algarve. http://hdl.handle.net/10400.1/3347

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O Serviço Cívico Estudantil e Michel Giacometti

Embora Michel Giacometti seja mais conhecido por seu trabalho "Povo que canta", o projeto que ele coordenou do serviço cívico estudantil foi uma fonte de inspiração para começar a trabalhar em 1995 em alguns projetos de pesquisa e dinamização da comunidade usando a ferramenta histórias orais . No auge da efervescência desencadeada pela Revolução dos Cravos (o Revolução de 25 de Abril), 124 adolescentes, de ambos os sexos, passam o Verão de 1975 dedicados a uma acção concertada de recolha de cultura popular, em resposta a um apelo de Michel Giacometti. Foram ministradas as noções básicas de trabalho de campo num curso intensivo de 8 dias, e depois, equipas de quatro estudantes pesquisaram 90 localidades em três meses, três localidades por equipa. "O Serviço Cívico Estudantil foi possibilitado através do Decreto-Lei N.º 270/75 de 30 de maio. O programa pretendia assegurar aos estudantes uma melhor “integração na sociedade portuguesa e um mais amplo contacto com os...

"Povo que canta", Michel Giacometti

Há coisas em que concordamos e que nos parecem interessantes e que podemos aprender com o trabalho de Giacometti. Ele trabalha, por um lado, o aprimoramento dos saberes populares, das culturas populares, da cultura do trabalho, da cultura da diversidade de gênero, e também entra no tema da cultura da etnia, passando claramente por zonas e distinguindo as várias etnias... Não sabemos se ele leva em conta a idade em suas gravações. Na realidade, então, o que ele faz é abordar a complexidade a partir da matriz sociocultural, que é onde concordamos com ele, não apenas em seu trabalho etnomusical, mas também em sua concepção de transformação social a partir das culturas populares. Outra questão importante que Giacometti nos mostra é que precisamos entender as maneiras de trabalhar para entender a oralidade; os modos de trabalhar, de estar juntos, de celebrar... Se separarmos, por exemplo, o canto ou o conto do contexto social e natural em que ocorre, ela perde o sentido e se torna fo...

A CIDADE. Poema de José Carlos Ary dos Santos en veu de José Afonso

A CIDADE Poema de José Carlos Ary dos Santos A cidade é um chão de palavras pisadas A palavra criança, a palavra segredo. A cidade é um céu de palavras paradas A palavra distância e a palavra medo. A cidade é um saco um pulmão que respira Pela palavra água, pela palavra brisa. A cidade é um poro, um corpo que transpira Pela palavra sangue, pela palavra ira. A cidade tem praças de palavras abertas Como estátuas mandadas apear. A cidade tem ruas de palavras desertas Como jardins mandados arrancar. A palavra sarcasmo é uma rosa rubra. A palavra silêncio é uma rosa chá. Não há céu de palavras que a cidade não cubra Não há rua de sons que a palavra não corra À procura da sombra duma luz que não há. Mais poemas de José Carlos Ary dos Santos: http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/ary.dos.santos.html José Afonso canta este belo poema em seu álbum "Contos velhos rumos novos". Pode ser ouvido aqui, neste vídeo: